26 de novembro de 2014

Contra o racismo e a violência policial, unificar a luta do movimento negro da Região

* Bruna Alquatune

Presenciamos perplexos a política de segurança pública falida dos governos, sobretudo para a população negra. A policia nos aborda de forma violenta e humilhante. Com  a desculpa  da  guerra às drogas, os governos  encarceram e  assassinam nosso povo. 

Temos no Brasil uma das maiores populações carcerárias do mundo e majoritariamente composta de negros e negras. O Mapa da Violência 2012 atesta que o genocídio da juventude negra cresce de forma desenfreada. Entre 2001 e 2012, 515 mil jovens foram assassinados, desses 2/3 eram negros, ou seja, 380 mil  jovens entre 14 e 25 anos - uma média de 30 mil mortes ao ano, aproximadamente 5 mortos por hora. Essa é a realidade da juventude negra nesse pais. Revoltante, vivemos uma verdadeira limpeza étnico-racial.

O estado laico, democrático de direito, está ameaçado. O crescimento no Congresso da intolerância religiosa, do racismo, do machismo, da homofobia tem proporcionado situações bizarras. Hoje, é normal escutarmos declarações de Bolsanaro, Feliciano e Levi Fidelix defendendo um Estado confessional, fundamentalista e opressor, que não garanta a liberdade e o direito de todos.  O culto às religiões de matrizes africanas, nossos terreiros, nossas crenças, nossa historia, nossas referências e nossa identidade estão ameaçados.

Saúde pública doente

Sofremos com o atendimento médico precário e desumanizado, pois falta investimento no SUS e políticas publicas especificas para a saúde da população negra. Levantamento feito pelo próprio governo federal aponta que 60% das mortes de mães que deram à luz nos hospitais do Sistema Único de Saúde (SUS) ocorreram entre mulheres negras e 34% entre as brancas. Na primeira semana de vida, a mortalidade também é maior entre crianças negras - 47% dos casos. Entre as brancas, são 36%.

A hipertensão, a anemia falciforme e o diabetes são exemplos de doenças que não são devidamente tratadas pelo sistema público de saúde. O descaso com a saúde da população negra é mundial, o ebola em Guiné, Serra Leoa, Libéria e Nigéria, demonstra a falta de vontade política para atender nossos irmãos negros.

Educação pública precária

As creches, escolas, universidades estão depredadas e sucateadas, os professores desmotivados devido à desvalorização e violência. As cotas, uma grande vitoria do movimento negro, melhoraram o acesso à universidade pública, porém, o sucateamento dessas instituições dificulta a permanência de negros e negras (faltam bibliotecas, restaurantes universitários, moradia universitária, creches, bolsas de auxilio a permanência, etc.).

Em de junho de 2013 o povo foi as ruas contra o aumento da tarifa de ônibus com o lema “ não é por 0,20 centavos”. Lutou e garantiu que não houvesse o aumento, num ato de resistência retomando a tradição de luta histórica como nossos ancestrais nos quilombos e marchas do MNU. Esse é o caminho para mudarmos o transporte público que continua caro e não atende as nossas necessidades. Ônibus lotados, assédio às mulheres nos trens do metrô e a falta de segurança faz parte do cotidiano dos trabalhadores negros e negras.

O drama da moradia

A falta de moradia ou moradias precárias coloca nosso povo numa situação degradante e de risco. Segundo o IBGE, faltam 7,9 milhões de residências no Brasil e 25% da população (52 milhões de pessoas) vivem em condições precárias. Em nossa região podemos citar a comunidade de Água Fria, em Cubatão, onde várias casas foram destruídas depois das fortes chuvas em  fevereiro  desse ano. O problema segue sem solução, famílias (majoritariamente compostas de negros, negras e nordestinos) continuam morando em condições precárias, num bairro abandonado pelo poder público, e ainda sofrem com a ameaça de despejo por parte dos governos.

Há um atraso histórico na titulação de terras quilombolas. Em 20 anos de governos do PSDB e do PT, apenas 20 territórios foram titulados pelo governo federal, em sua maioria quilombos urbanos. O orçamento reduzido a cada ano, o agronegócio e os latifundiários põem em risco a preservação dos quilombos, a cultura, a identidade e a ancestralidade dos nossos irmãos.

A mídia reforça estereótipos da escravidão, tenta nos animalizar, nos colocar como coisa e não como indivíduos a serem respeitados na sociedade. Nossas mulheres negras continuam retratadas como objetos sexuais, sem honra, datadas de erotismo e sexualidade exótica; tenta nos marcar pelo “servir”, exercido na condição de escravas, mucamas, prostitutas, tenta nos colocar como promíscuas, inferiorizam nossos traços, cabelo, cor, índole, tenta  nos deixar sem referências e sem identidade. Naturaliza as mazelas sofrida pela população negra na tentativa de nos diminuir como povo, para justificar a condição desumana em que negros e negras vivem desde a escravidão.

Devemos ser protagonizar de nossas lutas, levar nossas bandeiras para dentro dos movimentos sociais. Nossa luta não cabe dentro de ONG’s e governos que, em muitos casos, a usam como moeda de troca para cargos e verbas públicas, defendendo setores que lucram nos explorando e oprimindo, fazendo com que a luta nessas instituições não avance.

Nosso povo segue ameaçado, o poder econômico e politico atuam em benefício próprio, sem cumprir sua função social, que é organizar o povo rumo à reparação por tantos anos de exploração e opressão. 

A policia segue fazendo o serviço sujo, nossos lideres populares são perseguidos e presos, criminalizam nossas lutas, patrocinam o genocídio do povo negro utilizando ações das forças institucionais e grupos de extermínio.  É uma “Guerra velada” contra mais da metade da população desse país.

Devemos exigir reparação do nosso povo, que desde a economia da cana de açúcar, do café, trabalhos nos portos, na construção civil, nas fábricas, nos órgãos públicos vêm construindo a riqueza deste país sem ser reconhecido como protagonista deste processo.

A politica na forma que está colocada se tornou mero balcão de negócio, perdeu sua ideologias e programa, está a serviço daqueles que não nos representam, não defendem nossas pautas e não nos organiza. O mandato parlamentar, com raras exceções, se transformou em empresa pessoal, “nossos representantes” não se empenham em projetos ou leis para beneficiar o nosso povo. Um cargo parlamentar é o melhor negócio existente no país, seu lucro é garantido e vem  comprometido com o poder econômico e está aliado  ao setor  mais reacionário do pais, ou seja,  aos seguimentos capitalistas, aos políticos corruptos, aos partidos de direita, aos latifundiários da UDR-Ruralistas, aos racistas e homofóbicos. E isso ocorre sem que a sociedade, a mídia, os políticos, os partidos, os governos e pior, até algumas organizações do movimento negro e seus militantes se sensibilizem e se comprometam a travar uma batalha para reverter esse cenário.

Esse é o momento de negros e negras militantes das organizações nacionais, estaduais e locais, dos capoeiristas, das lideranças das religiões de matrizes africanas darem um combate a essa realidade tão cruel, pois  o racismo mata,  explora e oprime e tenta tirar nossa liberdade e calar a nossa voz. 

Retomemos a nossa historia de luta, com atos, marchas e denúncias. Não aceitaremos mortes de Amarildos, Claudias, DG’s e tantos outros negros e negras que entram para as estatísticas nesse país. Descendemos de Zumbi dos Palmares, Dandara, Luiza Mahin, João Candido , Aqualtune, Maria Carolina de Jesus, carregamos em nós a resistência.  É urgente um programa mínimo que nos identifique e nos una e nos identifique. 

Neste sentido, fazemos um chamado a todos os militantes da região para que participem do Encontro de Negros e Negras da Baixada Santista, que acontece no próximo sábado, dia 30 de novembro, das 8h30 às 18h30, na sede da Assojubs de Santos (Rua São Francisco, 276/278, Centro).

O principal objetivo do debate é envolver negros e negras da Baixada Santista num mesmo espaço para resgatar a história de vanguarda, lutas e organização que sempre tivemos na região. Dentro da programação, haverá uma mesa de Conjuntura racial na atualidade e uma mesa sobre o Genocídio da população negra, pobre e periférica, na parte da manhã e da tarde - respectivamente.

Integram esta atividade o Quilombo Raça e Classe, Círculo Palmarino, MNU - Movimento Negro Unificado e Educafro Baixada Santista.

- Lutaremos por uma sociedade sem desigualdades, preconceitos e injustiças: a luta contra o racismo é uma luta de raça e classe.
- Condenamos o encarceramento da população negra e o genocídio da juventude negra.
- Exigimos um Estado laico e o fim da intolerância religiosa.
- Exigimos uma saúde pública de qualidade com políticas especificas na área da saúde para negros e negras.
- Exigimos maiores investimentos na educação e ampliação das cotas. Defendemos politicas afirmativas e de reparações em todos os espaços onde não esteja refletida a realidade populacional negra.
- Exigimos melhores condições de trabalho; e salário igual para negros, brancos, homens e mulheres;
- Exigimos transporte e moradias dignas.
- Exigimos a titulação de terras para os quilombolas.
- Condenamos a utilização do estereotipo da mulher negra como “produto de consumo e exportação” amplamente divulgado pelos meios de comunicação. Exigimos o fim do embranquecimento que atinge particularmente as mulheres negras.
- Exigimos o fim de qualquer iniciativa de ridicularização do povo negro nos meios de comunicação.
- Exigimos políticas publicas urgentes e consequentes, que garantam o empoderamento da população negra.

*Bruna Aqualtune, militante do PSTU, integra o Quilombo Raça e Classe Baixada Santista

0 comentários:

Postar um comentário