14 de novembro de 2012

As vítimas da “guerra” entre a PM e o crime organizado


“Eu não tenho medo do bandido, eu tenho medo do sistema, tenho medo do governo". A declaração é de Alice Pilatti, viúva do policial militar Marco Pilatti, cuja família mora em Praia Grande, no litoral de São Paulo. O PM, que trabalhou durante 22 anos na corporação, foi assassinado há pouco mais de uma semana por dois homens que tentaram roubar sua moto, em São Bernardo do Campo.

A declaração, concedida à TV Tribuna durante uma entrevista para o jornal da afiliada da Rede Globo na Região (assista aqui ao depoimento), é de uma clareza espantosa e sintetiza o atual cenário de terror que vive a população pobre da Grande São Paulo e da Baixada Santista. Na suposta “guerra” travada pela Polícia Militar contra o crime organizado, e mais especificamente contra o PCC (Primeiro Comando da Capital), o enredo é o mesmo daquele visto em maio de 2006, quando 564 pessoas foram mortas a tiros em apenas 10 dias: assassinatos em série, e a sangue frio, de trabalhadores, estudantes, moradores de rua e usuários de drogas das regiões periféricas – a maioria negra, a maioria sem nenhuma passagem pela polícia.

Para “legitimar” a ação desses assassinos fardados, uma velha manobra é intensificada pela PM: a construção dos “autos de resistência”, mecanismo usado para adulterar a cena do crime e transformar o que foi uma execução em "confronto". Na maioria das vezes, é com base nas informações de Boletins de Ocorrência forjados como esses que a imprensa cobre os assassinatos cometidos pela PM contra o povo pobre. A versão oficial é a que prevalece. Às famílias da vítima, resta apenas a dor e a indignação.

Por outro lado, também assistimos a mortes de policiais honestos, como o caso de Pilatti, que também estão sendo vítimas de uma polícia corrupta, que sempre será prestigiada e defendida pelo governador do Estado, Geraldo Alckmin. Nem mesmo os flagrantes de execuções sumárias e agora a suspeita (levantada pela própria Corregedoria da PM) de que policiais entregaram a criminosos uma listagem com nomes completos, endereços residenciais e telefones de quase cem PMs foram suficientes para forçar qualquer recuo de um governador reconhecido por odiar a classe trabalhadora e o povo pobre. Quem não se lembra de sua infeliz declaração em resposta à ação criminosa da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar), em setembro, que deixou nove pessoas mortas? "Quem não reagiu está vivo", afirmou com naturalidade.

Os números 
O balanço é assustador. Desde o início da suposta guerra entre a PM e o crime organizado, foram 191 mortos em apenas 18 dias na Grande SP. Informações mais recentes já dão conta de que são 200 mortes no período de um mês. Só neste ano foram registrados 300 assassinatos de civis em São Paulo, o dobro do mesmo período do ano passado. Levando em consideração apenas o mês de setembro, o número de homicídios cresceu 27%, quando comparado ao mesmo mês do ano passado. 

Na Baixada Santista, foram 17 homicídios dolosos, contra 10 no mesmo mês (setembro) do ano anterior. Lembrando: esses dados são oficiais e não incluem nesta conta sangrenta as novas mortes que ocorreram em outubro e novembro. Na região, a explosão de assassinatos foi rápida: dezoito mortos em apenas quatro dias. Em um único dia, num prazo de 20 horas, sete pessoas foram mortas em Vicente de Carvalho (Guarujá). Logo depois, um fim de semana foi suficiente para que outras sete pessoas fossem mortas. Dessa vez em Santos, entre elas um policial militar.

Diante disso, a solução encontrada pelo Estado foi determinar que policiais da Rota, a elite do batalhão de choque da PM, descessem a Serra e ficassem na região por tempo indeterminado. Justamente a divisão da PM alvo constante de denúncias e que, embora tenha somente 820 policiais de um contingente com mais de 95 mil, responde por mais de 20% dos homicídios praticados pela polícia. Ou seja, como se não bastasse a existência de grupos de extermínio não oficiais, o Estado possui um grupo de extermínio próprio, institucionalizado: a Rota. 

Enquanto a imprensa trata este confronto com naturalidade, avalizando o extermínio indiscriminado de inocentes, a PM – uma instituição pública falida – abandona qualquer resquício de legalidade e, sob o pretexto de fazer justiça, está declarando guerra, na verdade, contra os trabalhadores e o povo pobre. 

Santos, uma cidade para todos?
A onda de assassinatos que ronda novamente a Baixada Santista e, sobretudo, Santos, é um dos reflexos da criminalização da pobreza em curso na cidade. Mas dessa vez pior: em seu estágio mais cruel e truculento. O atual prefeito Papa (PMDB) e o futuro prefeito Paulo Alexandre Barbosa (PSDB) insistem em dizer que Santos é uma cidade desenvolvida, que precisa apenas “avançar”. A meta seria, então, garantir que tanta riqueza e infra-estrutura sejam usufruídas por “todos”.

Entretanto, este discurso serve de cortina de fumaça para uma realidade que não pode ser mais escondida: a elitização da cidade, que aprofunda as desigualdades sociais e o surgimento de bolsões de pobreza. O resultado da transformação de Santos em uma cidade exclusivamente para os ricos, onde nem mesmo a classe média tem lugar, é a consolidação do desemprego, da falta de perspectivas, com um batalhão de jovens migrando para outras cidades, serviços precários de saúde e de educação e uma política de assistência social que não consegue esconder o seu caráter repressor contra o povo pobre. Tais problemas constituem, naturalmente, um fértil terreno para o tráfico e o crime organizado, com a explosão da violência urbana.

Santos para os trabalhadores 
Por isso, a solução de um problema tão complexo, a segurança pública, não pode ser equacionado através de uma política que privilegia os ricos, justamente o atual modelo de gestão pública que impera na cidade. Os governos que se revezam na Prefeitura de Santos são os responsáveis pelo aprofundamento da desigualdade social que domina o município. Não podemos pensar em eliminar a violência urbana sem, antes, acabar com a farra dos ricos, financiada pelo Poder Público à custa dos trabalhadores. Por isso, defendemos uma política econômica que assegure emprego para o povo pobre e o aumento generalizado dos salários, assim como investimentos maciços em serviços e infra-estrutura pública e urbana. 

Neste sentido, também defendemos a descriminalização das drogas. A política proibicionista do Estado Brasileiro é, na verdade, mais uma forma de se apropriar da “batalha” contra o narcotráfico para legitimar a violência contra os pobres e a população negra. Ou seja, transforma-se em uma poderosa ferramenta de criminalização da pobreza. E, de quebra, estimula e alimenta a corrupção policial, enquanto garante aos grandes empresários do tráfico lucros vultuosos com o comércio ilegal das drogas.

Neste cenário de terror, onde a PM destina a pobres inocentes sem qualquer chance de defesa a pena de morte, a luta contra a injustiça e a impunidade também deve ser prioridade. Enquanto pobres inocentes e ladrões de galinha amargam anos na prisão, existe uma lista extensa de políticos corruptos e empresários corruptores em plena liberdade. Por isso, defendemos penas severas para esses crimes, com prisão e confisco de bens dos peixes graúdos que corrompem e são corrompidos.

Por fim, não é possível acabar com a violência por meio de uma polícia que é justamente a maior geradora da violência urbana. Por isso, o PSTU defende a dissolução imediata da PM e a fundação de uma nova polícia. É preciso desmilitarizar e dissolver a atual polícia, formando uma força de segurança civil, com direitos democráticos como o de sindicalização e greve, totalmente controlada pela população através de seus organismos como conselhos populares e associações de moradores.

Luiz Xavier
Tamiris Rizzo
Direção Municipal do PSTU - Regional Santos

1 comentários:

Parabéns, excelente artigo companheiros!

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