3 de junho de 2013

Entrevista: "A UNE foi de mala e cuia para o Governo"

Entrevista de Tamiris Rizzo ao jornal Tribuna de Minas, de Juiz de Fora, concedida durante o 2º Congresso da ANEL. Confira abaixo ou clique aqui para ler no site do veículo.

Cerca de 2 mil estudantes de várias partes do país e do mundo estiveram literalmente acampados na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) para o 2º Congresso da Assembleia Nacional dos Estudantes Livres (Anel). Criada há quatro anos, a entidade foi idealizada por dissidentes da União Nacional dos Estudantes (UNE). "Nossa proposta é construir uma alternativa de luta para o movimento estudantil brasileiro", define Tamiris Rizzo, estudante de pós-graduação da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) e membro da executiva nacional da Anel. Para ela, a UNE se rendeu as benesses governistas desde o primeiro mandato do ex-presidente Lula (2003-2006). "UNE foi de mala e cuia para o Governo. A entidade virou um ministério estudantil." 

Em entrevista à Tribuna, Tamiris - ex-candidata a vereadora em Santos pelo PSTU, sendo a mulher mais votada entre os partidos de esquerda - defendeu a destinação de 10% do PIB para educação, criticou a proposta de mudança da meia-entrada e falou do uso das redes sociais pelo movimento estudantil.

Tribuna - Qual a proposta da Anel?
Tamiris - Queremos construir uma alternativa de luta para o movimento estudantil brasileiro. Uma vez que a UNE não representa mais o que foi o movimento estudantil no passado, quando a UNE esteve na campanha pelas "Diretas já" e pelo "Petróleo é nosso". Era uma entidade em defesa da soberania nacional. Hoje, tudo isso se perdeu. Buscamos uma alternativa política de mobilização que articule o processo nacionalmente, e a educação é o nosso tema mais central.

- A luta é pela destinação de 10% do PIB na educação?
- Não apenas isso. Em 2012, teve a greve nacional nas universidades federais quando a Anel teve uma atuação muito grande em defesa da qualidade do ensino público. Hoje temos o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni) em avançado estágio de implementação. Lá atrás, em 2007, quando começaram as discussões, deixamos claro que, com o tempo, isso levaria à precarização do ensino superior. O que vemos hoje é exatamente a concretização desse processo, com salas de aulas lotadas, dependências precárias, ausência de assistência estudantil na maioria das universidades. A proporção entre número de alunos por professor, que era de um para 15, chegou a um para 18. Ou seja, faltam professores para o ensino e a pesquisa, o que compromete a qualidade da educação.

- O Governo tem o Reuni como programa de expansão das universidades. Isso não é uma demanda da entidade?
- Não somos contra nenhuma forma de expansão. Hoje temos menos de 21% da juventude no ensino superior. Somos a favor da expansão, mas com recursos, e não enxugando as estruturas, principalmente, de material humano. A lógica é cada vez mais docentes de 20 horas e menos de dedicação exclusiva. Hoje, a prioridade de investimento do Governo é no ensino privado. Os grandes grupos de educação, que encaram educação como um negócio lucrativo, não podem somar mais investimentos públicos do que as próprias universidades públicas. Por isso que queremos a destinação de 10% do PIB na educação para agora e não para 2020. Esse dinheiro deve ser investido na expansão do ensino público. Nada mais justo do que dinheiro público para o ensino público.

- O Plano Nacional de Educação projeta investimento de 10% para 2020. Já não é um avanço?
- O Plano Nacional de Educação prevê aumentar os investimentos para que até 2020 tenhamos 7% do PIB investidos em educação podendo chegar a 10%. O último plano, que venceu em 2011, tinha previsão de chegarmos a 7%, mas não alcançou 5%.

- É um avanço o fato de o Governo querer destinar todos recursos dos royalties do pré-sal para a educação?
- Se continuarmos da forma como é hoje, levaremos 59 anos para termos 30% dos estudantes nas universidades. Não se pode esperar tanto tempo mais. Essa bandeira dos 100% dos royalties para educação equivale a 2% do PIB e, assim mesmo, para daqui a 10 anos. Então, como se vê, a coisa não é bem assim. O pior é que, com esse discurso, justifica-se até a privatização do petróleo.

- A Anel nasce da incapacidade da UNE de representar os estudantes. O que mudou na UNE?
- Desde o início do Governo Lula (2003-2006), a UNE passou para o lado de lá. A luta na rua, a ação direta, o autofinanciamento, enfim, todas as bandeiras da UNE foram deixadas de lado. A UNE foi de mala e cuia para o Governo. A entidade virou um ministério estudantil. É muito triste ver uma entidade como a UNE, com a história que tem, aceitar financiamento público para financiar seus congressos. Hoje, a UNE recebe mesada do Governo e em troca sai na foto ao lado do (senador) José Sarney (PMDB) e do (presidente do Senado) Renan Calheiros (PMDB). Não é essa entidade que vai representar os estudantes.

- O que difere a Anel da UNE?
- Temos um programa alternativo, independente, autônomo e que possa fazer frente às políticas das reitorias, dos governos municipais, estaduais e federal. A Anel tem política de auto-financiamento. Para fazer esse congresso aqui, por exemplo, vendemos rifas, muitas rifas, fizemos pedágios nos estados. Teve livro-ouro e festas para arrecadarmos recursos. A UNE nos ensinou o caminho da ação direta, da parceria com os trabalhadores e do auto-financimaneto, mesmo tendo se afastado dessas bandeiras. Fazemos isso porque aqui, queremos ter liberdade para tocar a nossa música, que é a música dos estudantes.

- Qual a estrutura organizacional da Anel?
- Adotamos a organização por meio de assembleia por ser mais democrática. A entidade chama-se Assembleia Nacional dos Estudantes Livres. Cada um pode levantar a mão e se pronunciar. Nos estados, temos executivas para implementar deliberações das assembleias.

- Por que o movimento estudantil deixou as ruas depois dos "caras-pintadas"?
- O movimento estudantil não acabou com os "caras-pintadas". Ele está aí de volta. Se tiver estudantes nas ruas protestando, a Anel está lá. Tenho certeza. No mundo todo, os processos de mobilização social envolvem a mobilização da juventude.

- O Congresso prepara mudanças no benefício da meia-entrada. Qual a posição da Anel?
- O direito a meia-entrada não pode ser submetido à apresentação de uma carteirinha. Se isso passa, teremos de novo o monopólio de uma entidade que emite carteirinhas. Na prática, é como se para exercer o seu direito, você precisasse de comprá-lo por meio de uma carteirinha. Antes de mais nada, é um absurdo comercializar um direito seja ela qual for.

- Como o movimento estudantil usa as redes sociais?
- A Anel tem página na internet, no Facebook, no Twitter. Usamos todos os canais de comunicação para informar os estudantes. Agora, são ferramentas para levar à ação direta. É preciso que as coisas do mundo virtual reflitam no mundo real. Não adianta ficar apenas na frente do computador, é preciso ir para as ruas.

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